segunda-feira, janeiro 19, 2009

a edgar allan poe*

Meu relógio de pés nus a quinta da noite italiana
minha cabeça de anéis dolorosos como jacintos pretos recém-colhidos
minha criança grande escorregando pelos braços da mãe quando mil
candelabros dardejando nas escadas dos palácios anunciavam um corpo delicado e quente
minha caranguejola de diamante entre a vida e a morte a graça e a desgraça a verdade e o erro
meu malfadado e misterioso homem
figura descida    figura embrulhada    figura muitos pés acima de si mesma e no entanto figura de claridade
figura de homem deitado com um estrela na boca escorrendo água 
meu Eliseu do mar    amado das estrelas
segredo das suas águas silenciosas
meu rio negro áspero venenoso cintilante e tremente esmeralda e violeta
por onde mil nadadores lutando contra a corrente procuram ainda em vão à superfície o que só no mais fundo da água resplandece
a tua parede branca de aparições fumegantes

LIGEIA
"acima ou fora da matéria só comparável à estrela de sexta grandeza, dupla e variável, que se encontra próximo da estrela grande da Lira"

MORELLA
de mãos frias e agudas, falando, falando sempre, "porque as horas de felicidade passam e a alegria não se colhe duas vezes na vida, como as rosas de Paestum duas vezes no ano"

RODERICO
os cabelos sedosos em torno da face, os olhos grandes, húmidos, luminosos, os lábios numa curva extremamente bela

"Contei-lhes a minha história" - "não quiseram acreditar-me!"

Mas há, sim, outros mundos além deste, 
outros pensamentos além dos pensamentos da multidão,
arcanjos que se ergueram para cobrir desertos
onde só o universo arde
porque dois lábios finamente delineados tremem
porque Mentoni ainda ri, em traje de cerimónia, com a sua figura de sátiro
porque não houve forma de passarmos adiante e uma terrível nuvem cor de chumbo enche de espantosa velocidade o espaço
Maelstrom Maelstrom dos teus olhos no mundo
Maelstrom destruindo caixas sobre caixas sobre o ventre total de uma caixa de música americana
como as que às vezes se vêem nos porões
as mãos brancas e nuas de firmes aranhas de prata

* de Mário Cesariny, àquele cujos 200 anos sobre o seu nascimento se celebram hoje. in Pena Capital.

Sem comentários: